terça-feira, 18 de maio de 2021

Esculturas de Nós Mesmos - Narizes Têm, Mas Não Cheiram

 


"...narizes têm, mas não cheiram." (Salmo 115: 6b)

Uma das particularidades da Covid-19 é a manifestação de alguns sintomas inusitados. A falta de olfato é um deles. E que sensação estranha. Nascemos sentido o cheiro das coisas e esses cheiros vão criando em nós uma coisa chamada memória olfativa, ou seja, um gatilho provocado no nosso cérebro quando sentimos determinados cheiros. Por exemplo: o perfume de alguém que marcou a sua vida de alguma forma, o inconfundível cheiro de lanche do Mc Donalds, o cheiro de terra molhada, o do café passado na hora, o cheiro do alho fritando, aquela mistura de protetor solar com a maresia da praia...enfim, são tantos aromas que nos levam a uma viagem mental prazerosa ou desagradável. Um outro exemplo que não falha é do mimeógrafo. É algo tão antigo e não usual, que nem o teclado do celular que escrevo agora reconhece. Mimeógrafo é o pai da xerox. Servia para fazer cópias, só que de uma forma bem manual. Às provas da escola eram produzidas em mimeógrafos na minha época, e aquele cheiro de álcool com tinta era tão marcante, que se eu sentir agora, vai me transportar para 30 anos atrás facilmente. É automático, alguns odores despertam histórias dentro de nós. 

O salmo 115 fala sobre essa característica das imagens de esculturas, que têm narizes, mas não podem cheirar. As sensações que citei no último parágrafo não podem ser sentidas pelas imagens de esculturas, pois não foi dado a elas essa capacidade. Elas não podem ter memória olfativa.

Mas, entendam bem, essas memórias só são armazenadas no nosso cérebro, se elas nos marcarem de alguma forma. O cérebro mesmo faz o trabalho de fazer essa separação, entre as coisas que são armazenadas e as coisas que são excluídas. Como é triste uma geração sem memória. Às vezes a memória é tão marcante que parece que estamos vivendo aquilo tudo agora, mesmo que já tenha se passado muito tempo. Se sabemos viver os momentos da vida de forma adequada e inteira, armazemos memórias dirão quem seremos. Um homem sem memória é um homem que simplesmente existe, não vive. 

A relação de Deus com os judeus sempre foi marcada por essas memórias. O próprio judeu fazia com que nada fosse esquecido. Por isso, desde pequenos ouviam da Palavra de Deus, da história dos seus antepassados e todos os grandes feitos do Senhor na história de Israel. Aquilo penetrava na mente deles. Toda noite antes de dormir eles recitavam o Shemá, que é uma confissão de fé onde o judeu declara que Yahweh é o único Deus (Deuteronomio 6:4). Havia sentimento naquilo, havia verdade. A relação de Deus com os judeus era às vezes de ódio, mas de muito amor também e laços profundos. 

Os aromas das ervas, dos pastos, do incenso, da mirra, do unguento, do puro nardo, do óleo da unção, do azeite,  do bálsamo... isso tudo fazia parte da memória olfativa dos judeus e tudo isso lembrava o seu Senhor. A relação com Deus tinha cheiro, tinha identidade e tinha memória. Quando era oferecido um sacrifício digno ao Senhor, a Bíblia diz que era como cheiro agradável às narinas de Deus. Não é lindo isso? Nossa relação com Deus é feita de aromas e memórias.  

Mas se a nossa relação com Deus não produz memória, significa que a nossa vida não produz momentos memoráveis com o Senhor. Isso só é possível através de uma relação íntima de gratidão. Quando não há gratidão, não há memória afetiva. Deus nos dá, nós recebemos e seguimos. Não ficou marcado, foi apenas um fato histórico. 

Precisamos aprender com os judeus e levantarmos memoriais. Sabe o que acontecia quando uma grande vitória acontecia no meio deles? Era levantado um altar de adoração, ou seja, um memorial no local onde aconteceu a bênção. Toda vez que passassem por ali, eles lembrariam da misericórdia e do amor do seu Deus. Quer um exemplo? A primeira coisa que Noé fez após o dilúvio foi levantar um memorial de adoração:

"Então, Noé saiu da arca com a sua mulher, seus filhos e as mulheres de seus filhos, e com todos os grandes animais e os pequenos que movem rente ao chão e todas as aves. Tudo o que se move sobre a terra saiu da arca, uma espécie após outra. Depois Noé construiu um altar dedicado ao Senhor e, tomando alguns animais e aves puros, ofereceus-os como holocausto, qurimando-os sobre o altar. O Senhor sentiu o aroma agradável e disse a si mesmo: 'Nunca mais amaldiçoarei a Terra por causa do homem, pois o seu coração é inteiramente inclinado para o mal desde a infância. E nunca mais destruirei todos os seres vivos como fiz desta vez.'" 

(Gêneisis 8: 19 - 21)

Noé de livre e espontânea vontade decidiu no seu coração levantar um altar de adoração. O Senhor recebeu aquilo como "aroma agradável", de modo que prometeu nunca mais amaldiçoar a Terra por causa do homem. Deus está aberto a receber nossa adoração como perfume às suas narinas. E nós, estamos com o olfato apto para sentirmos o bom perfume do amor, da misericórdia e da bondade de Deus? O perfume do Senhor está por toda a parte: num pôr do sol, no sorriso de uma criança, num abraço verdadeiro, numa mão estendida, numa reconciliação, no perdão, numa amizade sincera... o perfume do Senhor está no ar. Noé quando abriu a arca e se viu em terra firma, respitou fundo e sentiu o perfume do Senhor.  Sua atitude não poderia ser outra, senão de gratidão e adoração,  que é aroma agradável ao Senhor. É uma troca de aromas. 

Eu poderia citar tantos outros exemplos de homens que levantaram altares de adoração ao Senhor como memoriais de sua graça (Abraão,  Moisés, Moisés...),  mas acredito que o exemplo de Noé seja suficiente. Acredite, muitos de nós passamos por essa vida sem sentirmos os aromas do céu. É como se fosse um cheiro qualquer, que não fica na memória, que não marca ninguém. Uma relação fria, superficial e sem história. Não foi a covid que nos tirou o olfato momentaneamente, foi a nossa incapacidade de levantarmos menoriais de adoração ao Senhor nos locais onde o Senhor se manifestou na estrada da nossa existência. Nossa comunhão com Deus hoje é definida pela quantidade de menoriais que levantamos ao longo da nossa trajetória. Não tem como o perfume de Deus te lembrar de experiências passadas, se elas nunca geraram memória olfativa em nós. 

Assim como Noé, a construção de altares não é mandamento do Senhor, mas um ato deliberado de gratidão ao nosso Deus. Isso é fruto que nós brotamos. Portanto, não deixe nunca de levantar altares ao Senhor,  pois eles não deixaram abandonar o Senhor, que cuida de nós. Não seja como às imagens de escultura, que tem nariz, mas não podem cheiram. Permita-se que o perfume do Senhor esteja impregnando em cada canto da sua vida. Aí, como diz a Palavra, nós mesmos seremos o bom perfume de Cristo para o mundo (2 Coríntios: 14 - 16). 

Que Deus te abençoe!





  

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