terça-feira, 25 de maio de 2021

Esculturas de Nós Mesmos - Têm Mãos, Mas Não Apalpam




"Têm mãos, mas não apalpam;" (Salmo 115: 7a)

Imagens de escultura não possuem tato. Têm mãos, mas não sentem nada. Eles são feitos dessa forma e sempre serão assim. Nós, todavia, nascemos com essa capacidade de sentir as coisas. Através do tato nós sentimos se está calor ou frio. Quando abraçamos alguém que amamos, nós transmitimos e recebemos afetos em doses altíssimas. Somos seres sensíveis por essência. Essa sensibilidade não é sinônimo de fraqueza ou melindre, mas de sentir as coisas com facilidade. Nós, latinos, somos ainda mais que os europeus,  por exemplo. Somos considerados calorosos e sentimentais demais, enquato eles, frios e racionais. 

O problema está quando entranos em um processo de insensibilidade existencial. Ou seja, quando perdemos a nossa capacidade inata de sentir. Esse processo é imperceptível, a princípio, e acontece de forma lenta e gradativa ao longo da nossa existência. É como se deixássemos pelo caminho pedaços de nós e não percebessemos. 

A alienação contribui muito para isso. Se vivemos uma vida alienada por alguma coisa, seja uma ideologia, uma religião ou uma profissão, ficamos ocupados demais com aquilo para percebemos que estamos cada vez mais insensíveis com o mundo que nos cerca. O alienado não tem tempo de refletir sobre nada, e sua visão limitada não permite que veja sua própria deterioração sentimental. O cara se infla de opiniões sobre tudo, mas por dentro está morto e seu tato não existe mais. É típico da nossa geração. 

Outro aspecto que contribui para essa perda de sensibilidade é a multiplicação da iniquidade no mundo, isto é, a exposição diária a toda sorte de maldades possíveis. Jesus cita esse fato como um sintoma evidente nos últimos tempos. "E, por se miltiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará." (Mateus 24:12). Segundo Jesus, muitos passarão por esse processo de esfriamento, insensibilidade, incapacidade de ter empatia, ausência de tato nos últimos dias. Você têm percebido isso? 

É tanta notícia ruim, é tanta maldade junta, que se não nos policiarmos, somos consumidos por isso. A calamidade ao invés de nos despertar, ela nos entorpece. O crime que nos chocava antes, não nos choca mais. A mãe que coloca um filho recém nascido na lata do lixo, o padrastro que mata o enteado a pancadas, o político que se beneficia dos recursos destianos a uma pandemia, gente morrendo sem oxigênio por causa do descaso das autoridades, pastor que enriquece às custas de gente simples, o padre que pratica pedofilia, os "Joãos de Deus" que praticam todo tipo de aberração em nome de Deus, Palestinos e Israelitas que explodem uns aos outros, jovens que entram em escolas e disparam contra tudo que vêem pela frente... Somos bombardeados todos os dias pela maldade e pelo terror. Sodoma e Gomorra perto de nós é quase que um paraíso. 

E em meio a isso, vamos nos tornando insensíveis, indiferentes e acostumados com a calamidade. É aí que mora o perigo, pois não é uma coisa que acontece de repente, mas a cada dia a iniquidade vai tirando um pedaço da nossa humanina até que nos tornamos como as imagens de escultura, que tem mãos, mas não sentem, não têm tato. 

Vocês já pararam pra pensar que hoje quando sabemos da morte de alguém, perguntamos logo se é covid. Caso seja, parece que o impacto é menor. Parece que é só mais um número que entra prara as estatísticas. Se a causa é outra, como foi a morte do Mc Kevin, a comoção é diferente. Parece que a morte por covid já não nos enluta mais tanto. Afinal de contas, hoje estamos na faixa acima das 400.000 mortes. Quando antes ouvimos que uma família inteira acabou em pouco tempo por causa de uma doença? No início chocava, agora já não choca tanto. O caos foi narmalizado. A calamidade nos entorpeceu. 

Paulo fez um relato detalhado sobre às características dos homens nos tempos do fim para Timóteo:

"Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos; porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te." 

(2 Timóteo 3: 1-5)

Paulo apresenta um retrato do homem atual. Não posso afirmar que estamos nos últimos tempos, mas posso afirmar que Paulo está relatando exatamente o tipo de ser humano do nosso tempo, porque é o que vemos com os nossos próprios olhos. É impressionante! O Apóstolo fala da ausência de afeto natural (grifado). É exatamente o que estamos falando, desse processo de insensibilidade, a ponto de perdermos o nosso afeto natural pelas pessoas. Para esse homem, o próximo pouco importa, porque quando não há sensibilidade e se perde a capacidade de sentir a dor alheia, o que resta é alimentar o próprio ego com projetos e realizações que satisfazem a sua própria carne.

A Hanseníase (no passado conhecida como Lepra) é uma doença terrível, que, dentre outros sintomas, diminui considerávelmente a nossa sensibilidade. Sendo assim, o doente pode ferir-se sem nem ao menos sentir dor. É como se ele, de fato, perdesse o sentido do tato. Se não houver tratamento, a doença se espalha por todo o corpo causando um aspecto horrível. E, para piorar, a hanseníase é extremamente contagiosa. Jesus curou muitos leprosos...

Como já falamos tantas vezes, as curas de Jesus vão muito além de uma solução para um problema físico, por detrás de toda cura há um ensinamento precioso. Assim foi com os leprosos. Vou citar duas situações: a primeira está tanto em Lucas 5, como em Mateus 8 e Marcos 1, onde um leproso vai até Jesus, se prostra e afirma que se Jesus quisesse ele poderia curá-lo. Não era comum os leproso estarem junto com pessoas sãs na cidade, por serem contagiosos. Mas ali havia uma grande multidão e de alguma forma um leproso conseguiu chegar até Jesus. Marcos diz que Jesus "foi movido por uma grande compaixão", e, prontamente respondeu a afirmação do homem com um sonoro "Eu quero! Sê limpo.". E não foi "só" isso, Jesus não ficou apenas nas palavras. Ele tocou no homem. Sim, Jesus tocou em um homem contagioso que ninguém queria chegar nem perto. As pessoas não queriam saber do leproso, Jesus sentiu afeto por ele. As pessoas queriam o leproso longe delas, Jesus aproximou-se e o tocou. 

Jesus ensinou com isso que, embora a lepra tinha tirado a sensibilidade física daquele homem, o seu coração estava cheio de fé e vontade de viver. Em compensação, embora fisicamente sãos, a multidão que o seguia estava insensível ao estado do homem e ignoravam a sua existência, ou pior, o enxotavam como a um cão sarnento. Por isso, Jesus não só curou, mas fez questão de tocar e mostrar que o afeto é o que nos faz humanos. Diferente da doença física, a lepra existencial não fica tão amostra e podemos esconder ela direitinho, porém de Deus nada pode se esconder. 

Como temos lidado com os marginalizados? Sabemos como Jesus trata. E nós? Você já parou para ouvir o quanto o homossexual sofre por ser o que é? Ou você quer distância? Você já parou pra pensar o que levou uma mulher a prostituir-se? Ou prefera apedrejá-la? A criança que hoje está com uma arma na mão, você sabe que ela nasceu em uma casa com pais drogados que se agrediam e se prostituiam na frente dele? Ou você deseja que ele seja mais um CPF cancelado e pronto? Talvez os "leprosos da sociedade" sejamos nós.  

Em outra ocasião, Jesus não curou apenas um, mas muitos leprosos. Para ser mais preciso, foram 10. Você pode ler em Lucas 17. Jesus indo para Jerusalém, passou por uma aldeia, provavelmente um lugar isolado onde viviam alguns leproso. Jesus não trasitava somente pelos centros, mas, principalmente, pelos subúrbios, mais conhecidos como aldeias. Então, os 10 leprosos viram Jesus e, de longe mesmo, clamaram por misericórdia (que significa: sentir a miséria do outro). E, como de costume, Jesus teve misericórdia daqueles homens marginalizados pela doença. 

Contudo, só um deles voltou para agradecer Jesus. Você entende a profundidade disso? Os 10 tinham a mesma doença, viveram as mesmas experiências terríveis e foram margibalizados da mesma forma. Mas só um tinha gratidão para dar a Jesus. Sabe por que? Este não deixou a lepra atingir a sua alma. A calamidade não afetou a sua essência. Portanto, a gratidão é o resultado natural de uma alma saudável, já a ingratidão é fruto de um coração tomado pela insensibilidade. Por isso, os milagres de Jesus não significam muita coisa quando a cura é só física. Os 9 leprosos provaram isso. Conseguiram o que queriam e foram embora. Como isso se parece com alguns cristãos que você conhece, que fazem de Deus apenas um curandeiro, ou alguém superior que pode resolver nossas questões impossíveis. Saiba que se você se comporta desta forma, por mais que você tenha sido curado por Deus ou recebido alguma bênção, sua alma ainda está adoecida. E, para Deus, o que importa é o que têm dentro e não no rótulo. Deus não compra livros pela capa.  

Meus irmãos, em nome de Jesus, que a alienação e a calamidade não te entorpeçam. Que a sensibilidade de Cristo tome cada parte do nosso ser a ponto de sentirmos a dor e a necessidade do próximo. Que não sejamos leprosos existencias e muito menos imagens de escultura, que têm mãos, mas não podem tocar. Como Jesus, toque, acolha, sinta!

Que Deus te abençoe. 




terça-feira, 18 de maio de 2021

Esculturas de Nós Mesmos - Narizes Têm, Mas Não Cheiram

 


"...narizes têm, mas não cheiram." (Salmo 115: 6b)

Uma das particularidades da Covid-19 é a manifestação de alguns sintomas inusitados. A falta de olfato é um deles. E que sensação estranha. Nascemos sentido o cheiro das coisas e esses cheiros vão criando em nós uma coisa chamada memória olfativa, ou seja, um gatilho provocado no nosso cérebro quando sentimos determinados cheiros. Por exemplo: o perfume de alguém que marcou a sua vida de alguma forma, o inconfundível cheiro de lanche do Mc Donalds, o cheiro de terra molhada, o do café passado na hora, o cheiro do alho fritando, aquela mistura de protetor solar com a maresia da praia...enfim, são tantos aromas que nos levam a uma viagem mental prazerosa ou desagradável. Um outro exemplo que não falha é do mimeógrafo. É algo tão antigo e não usual, que nem o teclado do celular que escrevo agora reconhece. Mimeógrafo é o pai da xerox. Servia para fazer cópias, só que de uma forma bem manual. Às provas da escola eram produzidas em mimeógrafos na minha época, e aquele cheiro de álcool com tinta era tão marcante, que se eu sentir agora, vai me transportar para 30 anos atrás facilmente. É automático, alguns odores despertam histórias dentro de nós. 

O salmo 115 fala sobre essa característica das imagens de esculturas, que têm narizes, mas não podem cheirar. As sensações que citei no último parágrafo não podem ser sentidas pelas imagens de esculturas, pois não foi dado a elas essa capacidade. Elas não podem ter memória olfativa.

Mas, entendam bem, essas memórias só são armazenadas no nosso cérebro, se elas nos marcarem de alguma forma. O cérebro mesmo faz o trabalho de fazer essa separação, entre as coisas que são armazenadas e as coisas que são excluídas. Como é triste uma geração sem memória. Às vezes a memória é tão marcante que parece que estamos vivendo aquilo tudo agora, mesmo que já tenha se passado muito tempo. Se sabemos viver os momentos da vida de forma adequada e inteira, armazemos memórias dirão quem seremos. Um homem sem memória é um homem que simplesmente existe, não vive. 

A relação de Deus com os judeus sempre foi marcada por essas memórias. O próprio judeu fazia com que nada fosse esquecido. Por isso, desde pequenos ouviam da Palavra de Deus, da história dos seus antepassados e todos os grandes feitos do Senhor na história de Israel. Aquilo penetrava na mente deles. Toda noite antes de dormir eles recitavam o Shemá, que é uma confissão de fé onde o judeu declara que Yahweh é o único Deus (Deuteronomio 6:4). Havia sentimento naquilo, havia verdade. A relação de Deus com os judeus era às vezes de ódio, mas de muito amor também e laços profundos. 

Os aromas das ervas, dos pastos, do incenso, da mirra, do unguento, do puro nardo, do óleo da unção, do azeite,  do bálsamo... isso tudo fazia parte da memória olfativa dos judeus e tudo isso lembrava o seu Senhor. A relação com Deus tinha cheiro, tinha identidade e tinha memória. Quando era oferecido um sacrifício digno ao Senhor, a Bíblia diz que era como cheiro agradável às narinas de Deus. Não é lindo isso? Nossa relação com Deus é feita de aromas e memórias.  

Mas se a nossa relação com Deus não produz memória, significa que a nossa vida não produz momentos memoráveis com o Senhor. Isso só é possível através de uma relação íntima de gratidão. Quando não há gratidão, não há memória afetiva. Deus nos dá, nós recebemos e seguimos. Não ficou marcado, foi apenas um fato histórico. 

Precisamos aprender com os judeus e levantarmos memoriais. Sabe o que acontecia quando uma grande vitória acontecia no meio deles? Era levantado um altar de adoração, ou seja, um memorial no local onde aconteceu a bênção. Toda vez que passassem por ali, eles lembrariam da misericórdia e do amor do seu Deus. Quer um exemplo? A primeira coisa que Noé fez após o dilúvio foi levantar um memorial de adoração:

"Então, Noé saiu da arca com a sua mulher, seus filhos e as mulheres de seus filhos, e com todos os grandes animais e os pequenos que movem rente ao chão e todas as aves. Tudo o que se move sobre a terra saiu da arca, uma espécie após outra. Depois Noé construiu um altar dedicado ao Senhor e, tomando alguns animais e aves puros, ofereceus-os como holocausto, qurimando-os sobre o altar. O Senhor sentiu o aroma agradável e disse a si mesmo: 'Nunca mais amaldiçoarei a Terra por causa do homem, pois o seu coração é inteiramente inclinado para o mal desde a infância. E nunca mais destruirei todos os seres vivos como fiz desta vez.'" 

(Gêneisis 8: 19 - 21)

Noé de livre e espontânea vontade decidiu no seu coração levantar um altar de adoração. O Senhor recebeu aquilo como "aroma agradável", de modo que prometeu nunca mais amaldiçoar a Terra por causa do homem. Deus está aberto a receber nossa adoração como perfume às suas narinas. E nós, estamos com o olfato apto para sentirmos o bom perfume do amor, da misericórdia e da bondade de Deus? O perfume do Senhor está por toda a parte: num pôr do sol, no sorriso de uma criança, num abraço verdadeiro, numa mão estendida, numa reconciliação, no perdão, numa amizade sincera... o perfume do Senhor está no ar. Noé quando abriu a arca e se viu em terra firma, respitou fundo e sentiu o perfume do Senhor.  Sua atitude não poderia ser outra, senão de gratidão e adoração,  que é aroma agradável ao Senhor. É uma troca de aromas. 

Eu poderia citar tantos outros exemplos de homens que levantaram altares de adoração ao Senhor como memoriais de sua graça (Abraão,  Moisés, Moisés...),  mas acredito que o exemplo de Noé seja suficiente. Acredite, muitos de nós passamos por essa vida sem sentirmos os aromas do céu. É como se fosse um cheiro qualquer, que não fica na memória, que não marca ninguém. Uma relação fria, superficial e sem história. Não foi a covid que nos tirou o olfato momentaneamente, foi a nossa incapacidade de levantarmos menoriais de adoração ao Senhor nos locais onde o Senhor se manifestou na estrada da nossa existência. Nossa comunhão com Deus hoje é definida pela quantidade de menoriais que levantamos ao longo da nossa trajetória. Não tem como o perfume de Deus te lembrar de experiências passadas, se elas nunca geraram memória olfativa em nós. 

Assim como Noé, a construção de altares não é mandamento do Senhor, mas um ato deliberado de gratidão ao nosso Deus. Isso é fruto que nós brotamos. Portanto, não deixe nunca de levantar altares ao Senhor,  pois eles não deixaram abandonar o Senhor, que cuida de nós. Não seja como às imagens de escultura, que tem nariz, mas não podem cheiram. Permita-se que o perfume do Senhor esteja impregnando em cada canto da sua vida. Aí, como diz a Palavra, nós mesmos seremos o bom perfume de Cristo para o mundo (2 Coríntios: 14 - 16). 

Que Deus te abençoe!





  

terça-feira, 11 de maio de 2021

Esculturas de Nós Mesmos - Têm Ouvidos, Mas Não Ouvem

 



"Têm ouvidos, mas não ouvem;"            (Salmo 115: 6a)

Aproveitando o clima de dia das mães, têm uma coisa que quase toda mãe diz: "Deus nos deu dois ouvidos e uma boca, justamente para falarmos menos e ouvirmos mais". Uma salva de palmas para a sabedoria materna! Nada mais sábio do que saber ouvir. A Bíblia fala sobre isso em Tiago 1.19: "Portanto, meus amados irmãos, todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.". Fala-se tanto sobre lugar de fala, mas onde fica o lugar de escuta? Se não estamos prontos para ouvir, como nos achamos no direito de ter algum lugar de fala? Antes de tudo, um bom falante tem que ser um PHD em escuta.

Uma fala me chamou muito a atenção no BBB desse ano. A participante Lumena, em uma conversa com o participante Lucas, disse algo do tipo: "A minha escuta é muito cara.". Isso me chamou muito a atenção, porque deixava claro que ela não estava disposta a ouvir, só queria falar mesmo. Assim com ela, a sua escuta é muito cara também? Até que ponto você está disposto a ouvir? Você gosta quando as pessoas te dão atenção? Pois bem, será que encarecemos demais a nossa escuta? Diferente do texto bíblico,  muitos de nós estão prontos para falar e tardios para ouvir. Uma das coisas mais frustrantes é você perceber que alguém não está dando a mínima para o que você está falando. Aquela pessoa está ali e ao mesmo tempo não está. A escuta dela é cara demais para gastar com você. Muito parecido com às imagens de escultura, que têm ouvidos, mas não ouvem. No nosso caso, temos ouvido e não ouvimos, porque temos um ouvido seletivo. É o famoso "fazer ouvido de mercador", também tão citado por nossas mães. 

No processo de comunicação, o ouvinte é um mero receptor. O ativo é o falante e o passivo é ouvinte. De repente, por isso seja tão difícil ser ouvinte em uma geração onde todo mundo quer o protagonismo. Por isso, que dentro do Evangelho de Jesus Cristo, nós encontramos o nosso lugar. Pois, no Evangelho só existe um protagonista, Jesus Cristo, o Senhor. Por conta disso, a escuta não deveria ser um problema no nosso meio. No Evangelho, nós somos servos, e o servo tem prazer em ouvir o seu Senhor. Nós também temos lugar de fala no Evangelho, mas o lugar de escuta é muito mais gratificante, vai por mim.

O historiador Leandro Karnal certa vez disse o seguinte: "Temos o costume de não ouvir o outro. Eu digo que sou de aquário, você responde seu signo. Eu digo que estou cansado, você responde que também. Eu digo que tenho dor de cabeça, você diz que têm um tumor.". Talvez nem percebemos, mas, em um diálogo, estamos mais dispostos a dizer o que sentimos do que assimilar a situação do outro que fala. Institivamente enquanto o outro fala, nós estamos pensando nos nossos problemas. Então, no final das contas, não estamos dispostos a ouvir, mesmo ouvindo. Então, criamos uma espécie de duelo pra saber quem tem o problema mais grave. É instintivo, porém sintomático. Revela alguma carência na nossa alma. 

Você  ja reparou que a maiorias das pessoas querem mesmo é serem ouvidas. Nós também quando procuramos alguém para conversar, não queremos exatamente um conselho, queremos ser ouvidos. Mas nós sentimos uma necessidade de ser sábios e conselheiros. No entanto, a maioria das questões não são resolvidas com conselhos, às vezes somente a tua escuta pode pacificar aquele coração. Portanto, quando forem desabafar contigo, ouça. Sobretudo, ouça. Se possível, aconselhe ou ore, mas, principalmente, ouça. 

Ouvir não é só receber os códigos linguísticos de um falante no seu aparelho auditivo. É prestar atenção, assimilar, mastigar com o cérebro e digerir com o coração o que foi dito. E a oração não respondida, ou não atendida, nos ensina muito sobre isso. Jesus fala sobre isso em João 15.7: "Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que desejares, e vos será concedido.". Sabem qual a maneira de qualquer palavra permanecer em nós? Ouvindo-a com atenção. Se Deus fala conosco, e nós não damos a devida atenção, essas palavras voam com o vento. Jesus cita causa e efeito: se permanecer Nele e permanecer na Sua Palavra, nossas orações serão ouvidas. Não há oração ouvida, se não formos bons ouvintes primeiro. "Por que Deus não me escuta?", perguntamos. Você tem escutado Ele? Você tem ouvido a Sua Palavra e guardado? Então, não há a menor possibilidade de João 15:7 se cumprir na sua vida. 

Por que nos achamos no direito de termos nossas orações ouvidas, quando nós não ouvimos as orações que nos fazem diariamente? Como assim oram a nós? Isso mesmo, fazem orações para nós o tempo todo. Sabe quando aquele menino no sinal bate na janela do seu carro e você ignora? É uma oração que você não responde. Sabe quando sua mãe diz pra você parar de comer besteira que sua juventude não dura para sempre? Você não ouviu o clamor da sua mãe e continuou comendo. Sabe quando sua esposa ou marido te cobrava pra pensar menos em trabalho e brincar um pouco com seu filho pequeno? Você não ouviu, seu filho cresceu e agora é ele que não quer mais saber de você. São orações ignoradas por nós. Às vezes até clamores insistentes são direcionados a nós, mas, se não dermos ouvido, não passarão de palavras. E palavras o vento leva. Será que realmente temos razão quando reclamamos das nossas orações não respondidas por Deus? Certamente que não. Somos excelentes pedintes e miseráveis ouvintes. Se nossa escuta é cara demais e seletiva, por que queremos que Deus nos ouça com tanta facilidade? Menos criatura, menos...

A falta de fé também é sintoma de falta de escuta. Romanos 10:17 diz: "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.". Se a fé é fruto de uma escuta atenta à Palavra de Deus, a incredulidade é a incapacidade de exercer essa escuta. Como dissemos anteriormente, ouvir é prestar atenção, assimilar, mastigar com o cérebro e digerir com o coração o que foi dito. Se o nosso contato com a Palavra de Deus é superficial, a nossa fé será superficial. Quer ter fé, ouça! 

Eu tenho um amigo que eu fico admirado com a capacidade dele de ouvir. Quando ele percebe que a pessoa está empolgada demais falando, mesmo que ele tenha algo a dizer, ele espera pacientemente cada palavra da pessoa. Ele gosta tanto de ouvir, que quando é interrompido, ele nem se importa de perder o raciocínio. A prioridade dele é ouvir. Ame ouvir, mais do que falar. Faça esse teste consigo mesmo. Ouça às pessoas, que de tanto ouvir, você ouvirá Deus. "Mas eu nunca ouvi Deus", talvez porque você está prioritariamente sempre preocupado em ser ouvido. Quando Deus encontra um bom ouvinte, de escuta baratíssima, Ele fala e nós escutamos. E convenhamos, o que temos de tão importante pra dizer diante do que o Pai tem para falar? Então ouça. 

A Bíblia compara a Palavra que sai da boca de Deus com pérolas, e maus ouvintes com porcos: "...não jogueis aos porcos as vossas pérolas...". Não trate a Palavra como lavagem e nem seja visto por Deus como porco. Porque Deus não desperdiça os seus preciosos conselhos com quem não dá ouvidos a Ele.

Como disse o próprio Jesus diversas vezes: "quem tem ouvidos, ouça."

Que Deus te abençoe. 



segunda-feira, 3 de maio de 2021

Esculturas de Nós Mesmos - Têm Olhos, Mas Não Vêem



 "Tem olhos, mas não vêem." (Salmo 115 b)


Uma das características da nossa geração é incapacidade de ver. Mas uma vez vamos usar como exemplo esse período triste de pandemia que vivemos. Nosso país ja passou de 400 mil mortes por causa da Covid-19 e muita, mas muita gente jura que não é nada disso. "Não é isso tudo aí que dizem", dizem. Existe um nome para esse fenômeno: negacionismo. O negacionismo pode ser muito bem definido como a capacidade de não ver mesmo tendo visão. É um fenômeno incrível que vem ganhando cada vez mais força. Parece que pra fugir de uma realidade muito dura, criamos esse mecanismo em nossa mente. Mas esse mecanismo não serve pra nada, aliás, serve para trazer confusão e desinformação. O negacionismo é a fé na incredulidade. Imagens de esculturas não podem ser negacionistas, porque não podem ver mesmo. Nós podemos e escolhemos não ver. 

Mas o negacionismo tem várias vertentes. Existem os negacionistas da necessidade alheia, por exemplo. Vemos pessoas morrendo de fome, podemos ajudar... e o que fazemos? Fingimos que elas não existem. São os invisíveis da nossa sociedade. Estão lá todos os dias e bem visíveis, mas não os vemos. Temos olhos, mas não vemos. Ainda falando de Covid, nunca tanta gente ultrapassou a fronteira da miséria. É muita gente passando fome, muita gente morrendo de fome. Nossa dispensa, se não está lotada, tem um pouco mais do que precisamos. Esse "um pouco mais" já é suficiente para pelo menos evitar a morte de alguma criança. Nossa visão é seletiva. Para os nossos a visão é plena, para outros ela é turva ou nula. 

Jesus curou muitos cegos e por trás de cada uma dessas curas têm um ensinamento sobre a falta de visão dos que vêem. Jesus ensinava que o cego ali não era exatamente o que foi curado, mas àqueles que estavam aparentemente sãos. 

Em João 9, Jesus cura um cego de nascença. Era de costume que as pessoas fossem até Jesus clamando por um milagre, mas nessa ocasião o próprio Jesus que foi diretamente ao homem e lhe concedeu essa graça sem que ele pedisse. Na verdade, aquele homem estava ali há anos e nem tinha mais a pretensão de ver, o que ele queria mesmo era que as pessoas dessem esmolas para que ele tivesse o que comer naquele dia.

Os discípulos perguntaram a Jesus quem foi que pecou para aquele homem estar naquelas condições: ele mesmo ou os seus pais. Jesus prontamente respondeu que não era culpa de ninguém, mas que aquilo aconteceu "para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele"(v.3). 

A cegueira dos discípulos:
Os discípulos não estavam preocupados com a situação do homem, mas queriam saber a origem da sua condição. Ali estava o cego e ali estava Aquele que poderia fazer o cego ver, contudo a visão dos discípulos estava voltada para o pecado, era tudo o que eles conseguiam ver. Jesus via naquele homem uma obra de Deus, os discípulos viam uma consequência do pecado. A religiosidade causa esse tipo de cegueira. Quantas vezes julgamos uma pessoa pelo erro cometido. "Essa não é aquela mulher que traiu o marido?", ou então: "Hoje é aniversário do José,  o ex presidiário". A religião rotula, o evangelho ama. A visão da religião é limitada, a visão do evangelho transcende qualquer problema aparente. Os discípulos viam alguém que estava naquelas condições porque merecia estar. Como é cruel a religião as vezes! Quantas vezes já ouvimos: "olha, essa irmã só vive em provação, alguma coisa ela fez, alguma coisa têm aí.". É isso que o religioso vê. Estão cegos espiritualmente. Têm olhos, mas não conseguem ver. 

Após Jesus curar aquele homem, ao invés de haver festa naquele lugar, havia incredulidade. Todos conheciam aquele homem, pois ele vivia ali muitos anos no mesmo lugar pedindo esmolas. Porém, quando ele apareceu são, aquela nova realidade era grande demais para as pessoas aceitarem com normalidade. Então elas optaram pelo negacionismo.  

A cegueira do povo:
"Seus vizinhos e os que anteriormente o tinham visto mendigando perguntaram: 'Não é este o mesmo homem que costumava ficar sentado, mendigando?' Alguns afirmavam que era ele. Outros diziam: 'Não, apenas se parece com ele'. Mas ele próprio insistia: 'Sou eu mesmo'. 'Então, como foram abertos os seus olhos?', interrogaram-no eles." (V. 8, 9 e 10). O incrível fenômeno negacionista não é de hoje. Os vizinhos do homem o viram são e ao invés de ficarem felizes, negaram o ocorrido mesmo o homem dizendo "sou eu mesmo". Por que isso? Isso é mais comum do que podemos imaginar. É quando a realidade é absurdamente maravilhosa e nós não conseguimos vê-la. Nem todo mundo está pronto para lidar com o absurdo. Umas das nossas maiores dificuldades na nossa relação com Deus é lidar com o absurdo, com o sobrenatural. Nossa visão está irraizada nesse mundo e quando é necessário lidar com coisas extraordinárias nós desenvolvemos a cegueira pelo inexplicável. Era inexplicável aquele homem estar vendo para aqueles vizinhos. Eles queriam uma explicação e ao mesmo tempo nenhuma explicação os faria crer naquilo. Chegaran ao ponto de chamarem os pais do homem para provarem que ele era mesmo o homem que eles conheciam. Mas quando a visão é limitada, nem a prova mais palpável é crida.

A nossa visão limitada faz com que a gente reproduza frases do tipo: "é muito bom para ser verdade", ou "alegria de pobre dura pouco". Na verdade, Deus é muito bom e é verdade, e a alegria do pobre pode durar muito no Senhor! Mas essas são verdades grandes demais para serem cridas. O fato da nossa relação com Deus ser limitada é que nós adaptamos Deus à nossa visão limitada e não deixamos Deus tranformar a nossa visão à realidade Dele. 

Um exemplo é como lidamos com o amor de Deus. Nada é mais absurdo que o amor de Deus por nós. Primeiramente porque ele é Deus e nós pecadores. Ele não precisa de nós e nós precisamos Dele. Mesmo assim Ele enviou seu Filho ao mundo para morrer por nós.  Que absurdo esse amor! Tão absurdo que insistimos em ignorar ou relativisar.

"Deus me ama, mas..."
"Eu creio que Jesus morreu por mim, mas quando eu peco ele não quer mais saber de mim."
"Ele morreu só pelos santos."
"Ele ama, mas eu nunca vou me perdoar pelo que fiz."

Essa é a nossa visão limitada do amor de Deus. Declaramos que cremos nele, que entendemos a dimensão desse amor, mas continuamos agindo como se não fosse tão grande assim. Isso é porque nós estamos com Deus, mas nossa visão limitada não nos deixa vê-lo como Ele é.  É como se Deus dissesse "nada te separará do meu amor" e nós respondessemos "obrigado, mas o Senhor sabe que não é bem assim". É uma das grandes falhas da igreja, não aceitar o absurdo e imensurável amor de Deus. Temos olhos, mas por não sabermos lidar com o absurdo, não vemos.

Após isso o homem foi levado à presença dos Fariseus que começaram a interrogálo. É impressionante como que um homem que acabou de receber uma dádiva do céu teve que ficar dando explicações para tanta gente. Ao mesmo tempo que o homem estava extasiado por poder ver pela primeira vez, estava assustado e acuado com todas aquelas perguntas. 

A cegueira dos Fariseus:
Os Fariseus começaram a interrogar o homem com um tom intimidador. Queriam saber quem o curou. Eles sabiam que Jesus curava, o problema deles ja não era de fé, mas uma questão política. Jesus estava chamando a atenção para si e isso causava inveja neles que eram vistos e respeitados como homens de Deus. Deus para eles significava status e Jesus atrapalhava nisso. Essa religiosidade é ainda mais tóxica que a dos discípulos. Os discípulos eram ignorantes e acreditavam em um Deus punitivo. Os Fariseus adaptaram às Escrituras para o seu bel prazer e oprimiam todo aquele que se opusesse. O Deus que eles diziam defender estava diante deles curando um homem cego de nascença, e tudo o que eles viam era um rival político.  É quando a igreja se torna um partido político em nome de Jesus. Quando falam do evangelho para esses líderes, eles rechaçam, porque o que importa é o poder e reconhecimento dos homens. Não tenho dúvida que se Jesus estivesse no nosso meio hoje, muitos dos nossos líderes o ignoraram ou pior, o perseguiram por pregar o amor. Eles estão completamente cegos e só enxergam o poder. 

Então, Jesus curou um cego fisicamente em João 9, como curou também Bartimeu em outra ocasião e inúmeros outros cegos, para que ficasse claro que o problema da visão está além da nossa capacidade biológica de ver, mas, porque mesmo vendo, não vemos coisa alguma. Como os discípulos que só procuravam um motivo para a cegueira daquele homem, como os vizinhos que mesmo com todas as evidências não conseguima lidar com aquela realidade absurda e os os fariseus que só conseguiam ver o poder e mesmo se Deus passar diante deles, eles transformarão Deus em um adversário do seu egoísmo. A diferença é que os "fariseus" de hoje em dia viram que é mais vantagem fazer de Deus um aliado, ou seja, um cabo eleitoral da sua auto exaltação. Com isso, usam da fama do Seu nome para se beneficiarem. Têm olhos, mas não vêem. 

Nós como igreja devemos ter em nossos lábios a oração de Bartimeu: "Filho de Davi, tem compaixão de mim". Para que ele abra a nossa visão humana, e assim o necessitado não seja mais invisível para nós. E para que também abra a nossa visão espiritual, e assim possamos ver o Seu infinito amor e sermos constrangidos por ele.

Que Deus te abençoe.  

Levanta-se e Ande!

"Então Jesus lhe disse: 'Levanta-se! Pegue a sua maca e ande.'" (João 5:8) "Tenho-vos dito isso, para que em mim tenh...