"Têm mãos, mas não apalpam;" (Salmo 115: 7a)
Imagens de escultura não possuem tato. Têm mãos, mas não sentem nada. Eles são feitos dessa forma e sempre serão assim. Nós, todavia, nascemos com essa capacidade de sentir as coisas. Através do tato nós sentimos se está calor ou frio. Quando abraçamos alguém que amamos, nós transmitimos e recebemos afetos em doses altíssimas. Somos seres sensíveis por essência. Essa sensibilidade não é sinônimo de fraqueza ou melindre, mas de sentir as coisas com facilidade. Nós, latinos, somos ainda mais que os europeus, por exemplo. Somos considerados calorosos e sentimentais demais, enquato eles, frios e racionais.
O problema está quando entranos em um processo de insensibilidade existencial. Ou seja, quando perdemos a nossa capacidade inata de sentir. Esse processo é imperceptível, a princípio, e acontece de forma lenta e gradativa ao longo da nossa existência. É como se deixássemos pelo caminho pedaços de nós e não percebessemos.
A alienação contribui muito para isso. Se vivemos uma vida alienada por alguma coisa, seja uma ideologia, uma religião ou uma profissão, ficamos ocupados demais com aquilo para percebemos que estamos cada vez mais insensíveis com o mundo que nos cerca. O alienado não tem tempo de refletir sobre nada, e sua visão limitada não permite que veja sua própria deterioração sentimental. O cara se infla de opiniões sobre tudo, mas por dentro está morto e seu tato não existe mais. É típico da nossa geração.
Outro aspecto que contribui para essa perda de sensibilidade é a multiplicação da iniquidade no mundo, isto é, a exposição diária a toda sorte de maldades possíveis. Jesus cita esse fato como um sintoma evidente nos últimos tempos. "E, por se miltiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará." (Mateus 24:12). Segundo Jesus, muitos passarão por esse processo de esfriamento, insensibilidade, incapacidade de ter empatia, ausência de tato nos últimos dias. Você têm percebido isso?
É tanta notícia ruim, é tanta maldade junta, que se não nos policiarmos, somos consumidos por isso. A calamidade ao invés de nos despertar, ela nos entorpece. O crime que nos chocava antes, não nos choca mais. A mãe que coloca um filho recém nascido na lata do lixo, o padrastro que mata o enteado a pancadas, o político que se beneficia dos recursos destianos a uma pandemia, gente morrendo sem oxigênio por causa do descaso das autoridades, pastor que enriquece às custas de gente simples, o padre que pratica pedofilia, os "Joãos de Deus" que praticam todo tipo de aberração em nome de Deus, Palestinos e Israelitas que explodem uns aos outros, jovens que entram em escolas e disparam contra tudo que vêem pela frente... Somos bombardeados todos os dias pela maldade e pelo terror. Sodoma e Gomorra perto de nós é quase que um paraíso.
E em meio a isso, vamos nos tornando insensíveis, indiferentes e acostumados com a calamidade. É aí que mora o perigo, pois não é uma coisa que acontece de repente, mas a cada dia a iniquidade vai tirando um pedaço da nossa humanina até que nos tornamos como as imagens de escultura, que tem mãos, mas não sentem, não têm tato.
Vocês já pararam pra pensar que hoje quando sabemos da morte de alguém, perguntamos logo se é covid. Caso seja, parece que o impacto é menor. Parece que é só mais um número que entra prara as estatísticas. Se a causa é outra, como foi a morte do Mc Kevin, a comoção é diferente. Parece que a morte por covid já não nos enluta mais tanto. Afinal de contas, hoje estamos na faixa acima das 400.000 mortes. Quando antes ouvimos que uma família inteira acabou em pouco tempo por causa de uma doença? No início chocava, agora já não choca tanto. O caos foi narmalizado. A calamidade nos entorpeceu.
Paulo fez um relato detalhado sobre às características dos homens nos tempos do fim para Timóteo:
"Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos; porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te."
(2 Timóteo 3: 1-5)
Paulo apresenta um retrato do homem atual. Não posso afirmar que estamos nos últimos tempos, mas posso afirmar que Paulo está relatando exatamente o tipo de ser humano do nosso tempo, porque é o que vemos com os nossos próprios olhos. É impressionante! O Apóstolo fala da ausência de afeto natural (grifado). É exatamente o que estamos falando, desse processo de insensibilidade, a ponto de perdermos o nosso afeto natural pelas pessoas. Para esse homem, o próximo pouco importa, porque quando não há sensibilidade e se perde a capacidade de sentir a dor alheia, o que resta é alimentar o próprio ego com projetos e realizações que satisfazem a sua própria carne.
A Hanseníase (no passado conhecida como Lepra) é uma doença terrível, que, dentre outros sintomas, diminui considerávelmente a nossa sensibilidade. Sendo assim, o doente pode ferir-se sem nem ao menos sentir dor. É como se ele, de fato, perdesse o sentido do tato. Se não houver tratamento, a doença se espalha por todo o corpo causando um aspecto horrível. E, para piorar, a hanseníase é extremamente contagiosa. Jesus curou muitos leprosos...
Como já falamos tantas vezes, as curas de Jesus vão muito além de uma solução para um problema físico, por detrás de toda cura há um ensinamento precioso. Assim foi com os leprosos. Vou citar duas situações: a primeira está tanto em Lucas 5, como em Mateus 8 e Marcos 1, onde um leproso vai até Jesus, se prostra e afirma que se Jesus quisesse ele poderia curá-lo. Não era comum os leproso estarem junto com pessoas sãs na cidade, por serem contagiosos. Mas ali havia uma grande multidão e de alguma forma um leproso conseguiu chegar até Jesus. Marcos diz que Jesus "foi movido por uma grande compaixão", e, prontamente respondeu a afirmação do homem com um sonoro "Eu quero! Sê limpo.". E não foi "só" isso, Jesus não ficou apenas nas palavras. Ele tocou no homem. Sim, Jesus tocou em um homem contagioso que ninguém queria chegar nem perto. As pessoas não queriam saber do leproso, Jesus sentiu afeto por ele. As pessoas queriam o leproso longe delas, Jesus aproximou-se e o tocou.
Jesus ensinou com isso que, embora a lepra tinha tirado a sensibilidade física daquele homem, o seu coração estava cheio de fé e vontade de viver. Em compensação, embora fisicamente sãos, a multidão que o seguia estava insensível ao estado do homem e ignoravam a sua existência, ou pior, o enxotavam como a um cão sarnento. Por isso, Jesus não só curou, mas fez questão de tocar e mostrar que o afeto é o que nos faz humanos. Diferente da doença física, a lepra existencial não fica tão amostra e podemos esconder ela direitinho, porém de Deus nada pode se esconder.
Como temos lidado com os marginalizados? Sabemos como Jesus trata. E nós? Você já parou para ouvir o quanto o homossexual sofre por ser o que é? Ou você quer distância? Você já parou pra pensar o que levou uma mulher a prostituir-se? Ou prefera apedrejá-la? A criança que hoje está com uma arma na mão, você sabe que ela nasceu em uma casa com pais drogados que se agrediam e se prostituiam na frente dele? Ou você deseja que ele seja mais um CPF cancelado e pronto? Talvez os "leprosos da sociedade" sejamos nós.
Em outra ocasião, Jesus não curou apenas um, mas muitos leprosos. Para ser mais preciso, foram 10. Você pode ler em Lucas 17. Jesus indo para Jerusalém, passou por uma aldeia, provavelmente um lugar isolado onde viviam alguns leproso. Jesus não trasitava somente pelos centros, mas, principalmente, pelos subúrbios, mais conhecidos como aldeias. Então, os 10 leprosos viram Jesus e, de longe mesmo, clamaram por misericórdia (que significa: sentir a miséria do outro). E, como de costume, Jesus teve misericórdia daqueles homens marginalizados pela doença.
Contudo, só um deles voltou para agradecer Jesus. Você entende a profundidade disso? Os 10 tinham a mesma doença, viveram as mesmas experiências terríveis e foram margibalizados da mesma forma. Mas só um tinha gratidão para dar a Jesus. Sabe por que? Este não deixou a lepra atingir a sua alma. A calamidade não afetou a sua essência. Portanto, a gratidão é o resultado natural de uma alma saudável, já a ingratidão é fruto de um coração tomado pela insensibilidade. Por isso, os milagres de Jesus não significam muita coisa quando a cura é só física. Os 9 leprosos provaram isso. Conseguiram o que queriam e foram embora. Como isso se parece com alguns cristãos que você conhece, que fazem de Deus apenas um curandeiro, ou alguém superior que pode resolver nossas questões impossíveis. Saiba que se você se comporta desta forma, por mais que você tenha sido curado por Deus ou recebido alguma bênção, sua alma ainda está adoecida. E, para Deus, o que importa é o que têm dentro e não no rótulo. Deus não compra livros pela capa.
Meus irmãos, em nome de Jesus, que a alienação e a calamidade não te entorpeçam. Que a sensibilidade de Cristo tome cada parte do nosso ser a ponto de sentirmos a dor e a necessidade do próximo. Que não sejamos leprosos existencias e muito menos imagens de escultura, que têm mãos, mas não podem tocar. Como Jesus, toque, acolha, sinta!
Que Deus te abençoe.
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